A Centelha Anterior ao Sol

Phanes, o Brilho que Dança com a Noite

Antes dos deuses, antes da linguagem,
antes que o tempo tivesse um nome —
havia o Ovo.

Suspenso no silêncio,
envolto por uma serpente eterna
que não começava nem terminava.
Alguns o chamavam de Chronos, outros de Ananke.
O tempo e a necessidade — entrelaçados como guardiões.

Mas o ovo, dizem alguns,
foi gerado por Nix,
a Noite ancestral,
profunda como tudo o que ainda não se tornou forma.
Ela o protegeu em silêncio,
até que um dia… ele se partiu.

E ali, entre cascas de ausência e promessa,
surgiu Phanes.
Luz andrógina, alada,
coroada de serpentes e de silêncio.
Brilho antes da visão. Palavra antes do som.

Phanes não veio do mundo —
ele era o próprio vir-a-ser.

Com olhos que iluminavam,
ele cantou o mundo em espiral:
ergueu céus, ordenou os astros,
soprou formas na matéria,
e revelou o tempo, a noite, os destinos.

Sim — ele criou Chronos, Nix, Ananke
ou talvez apenas os tenha lembrado
de quem eles sempre foram.

Porque em outros cantos,
diz-se que Phanes foi gerado por Nix.
Que ele era o filho da Noite,
a primeira luz nascida da escuridão.

E então, qual é a verdade?

A Noite o gerou?
Ou ele é quem a sonhou em primeiro?

Talvez ambos.

Talvez a luz e a escuridão se gerem mutuamente,
como coração e sopro,
como silêncio e canto.

Phanes é isso:
a consciência que nasce do invisível
e depois revela o invisível como seu espelho.

Ele não reina como Zeus,
não governa como Cronos,
não seduz como Eros.

Ele revela.
Ele é o instante em que algo pulsa dentro do nada,
e o nada, por um momento, se lembra que sempre foi tudo.

Quando a Luz Fala

Às vezes, as imagens arquetípicas se manifestam de forma belíssima e espontânea — surgem do inconsciente com toda a sua força.
É claro que um quadro, por si só, não gera beleza nem comoção:
é a alma de quem contempla que o desperta,
é a experiência viva do numinoso atravessando o indivíduo que o transforma em revelação.

Jung, em seu mais importante projeto interior — a construção simbólica de seu mito pessoal — encontrou figuras sábias, que traziam consigo conteúdos ancestrais, vindos das profundezas do inconsciente coletivo.
Dentre elas, Filemon, seu guia interior, referiu-se a Phanes com palavras que brilham como hinos:

Phanes é o deus que emerge resplandecente das águas.
Phanes é o sorriso da aurora.
Phanes é o dia resplandecente.
Ele é o presente imortal.
Ele é o fluxo transbordante.
Ele é o vento sussurrante.
Ele é a fome e a saciedade.
Ele é o amor e o desejo.
Ele é o luto e o consolo.
Ele é a promessa e o cumprimento.
Ele é a luz que ilumina toda a escuridão.
Ele é o dia eterno.
Ele é a luz prateada da lua.
Ele é as estrelas cintilantes.
Ele é a estrela cadente que brilha, cai e desaparece.
Ele é o fluxo de estrelas cadentes que retorna todos os anos.
Ele é o sol e a lua que retornam.
Ele é a estrela errante que traz guerras e nobre vinho.
Ele é a bondade e a plenitude do ano.
Ele preenche as horas com encantamento vibrante de vida.
Ele é o abraço e o sussurro do amor.
Ele é o calor da amizade.
Ele é a esperança que vivifica o vazio.
Ele é a magnificência de todos os sóis renovados.
Ele é a alegria em cada nascimento.
Ele são as flores desabrochando.
Ele é a asa aveludada da borboleta.
Ele é o aroma dos jardins floridos que preenchem as noites.
Ele é o canto da alegria.
Ele é a árvore da luz.
Ele é a perfeição, tudo feito melhor.
Ele é tudo o que é harmonioso.
Ele é o que é bem medido.
Ele é o número sagrado.
Ele é a promessa da vida.
Ele é o contrato e o juramento sagrado.
Ele é a diversidade de sons e cores.
Ele é a santificação da manhã, do meio-dia e da noite.
Ele é o benevolente e o gentil.
Ele é a salvação.
Na verdade, Phanes é o dia feliz.
Na verdade, Phanes é o trabalho, sua realização e sua recompensa.
Ele é a tarefa árdua e a calma da noite.
Ele é o passo no caminho do meio — seu início, seu meio e seu fim.
Ele é a previsão.
Ele é o fim do medo.
Ele é a semente brotando, o botão se abrindo.
Ele é o portal da recepção, da aceitação e da entrega.
Ele é a primavera e o deserto.
Ele é o refúgio seguro e a noite tempestuosa.
Ele é a certeza na desesperança.
Ele é o sólido na dissolução.
Ele é a libertação do cativeiro.
Ele é o conselho e a força no avanço.
Ele é o amigo do homem, a luz que emana do homem, o brilho radiante que o homem contempla em seu caminho.
Ele é a grandeza do homem, seu valor e sua força.

Esse trecho — nascido de uma experiência visionária — tem ressonâncias profundas com outro texto sagrado:
a fala de Krishna a Arjuna, no Bhagavad Gita, quando o guerreiro, em dúvida, pede que o divino revele sua essência.

Ali também, o Ser Supremo é descrito não como uma coisa só,
mas como tudo o que pulsa, vibra, transcende e acolhe.

Ambos, Krishna e Phanes, revelam a mesma verdade sutil:

que há uma luz perene por trás de todos os eventos efêmeros,
uma presença que atravessa a alegria e a tristeza,
o nascimento e a perda,
a fragilidade e a força —
e que permanece como centelha viva no coração de quem tem olhos para ver.

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