O Curador que Virou Estrela

Mitos normalmente têm várias versões, não porque exista uma verdadeira e outra falsa, mas para que possam revelar diferentes etapas de um mesmo processo. As histórias da alma, como podemos chamá-las, tocam profundamente as pessoas e ressoam — é isso que permite que contos antiquíssimos perdurem até hoje no imaginário popular, e também como expressões individuais da alma.

As duas versões de Quíron me fizeram atravessar processos dolorosos e perigosamente belos. Em uma delas, Quíron é sempre o curador ferido que busca incessantemente sua cura, seu alívio. No processo, ajuda muitas pessoas, dissemina tratamentos, salva vidas — mas nada cura sua própria dor, nada alivia seu sofrimento.

Na outra versão, Quíron não é imortal. Ele morre tragicamente, acidentalmente, atingido pela flecha envenenada do seu maior discípulo. Com isso, é eternizado nas estrelas, dando origem à constelação de Sagitário.

Aparentemente, essas versões não têm ligação alguma — seriam apenas variações de um mesmo mito. Mas em minha alma, elas tocaram de forma complementar. O Quíron eternamente doente precisava morrer e se tornar uma estrela guia — não mais uma ferida aberta, sem cicatrização.

Desistir de buscar a cura, após ter curado o mundo, e voltar-se para dentro — abraçando a dor em sua crueza, aceitando a morte daquilo que tanto quer manter vivo. Isso marca a ascensão de uma estrela que guia na escuridão, na incerteza, no medo do desconhecido.

Muitos têm pavor da noite, com seus monstros e assombrações… Mas sempre há a aurora de um novo dia iluminado quando a noite termina.

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